O pico de massa óssea consiste na quantidade máxima de tecido ósseo presente no fim da maturação do esqueleto. A idade do alcance desse patamar varia de acordo com o sítio analisado, com o sexo e com a etnia. A maioria dos indivíduos atinge o pico de massa óssea até o início da terceira década de vida e 90% da massa óssea é adquirida até os 20 anos. Outros aspectos também exercem influência nesse contexto, tais como genética, status nutricional, estilo de vida (atividade física, ingestão de cálcio e vitamina D, tabagismo, consumo de álcool) e fatores endócrinos, relacionados aos hormônios pituitários, adrenais e gonadais.
Nesse sentido, o estrogênio participa de forma importante do metabolismo ósseo em homens e mulheres por diferentes mecanismos. Entre eles estão a redução da osteoclastogênese, o estímulo da apoptose dos osteoclastos, a inibição da apoptose dos osteoblastos, o aumento da longevidade dos osteoblastos e a repressão de citocinas pró-osteoclásticas (IL-1, IL-6, IL-7 e fator de necrose tumoral, o TNF), bem como mecanismos indiretos pela regulação da função contrátil e da massa muscular esquelética.
Em meninas saudáveis, quando o início da puberdade ocorre mais cedo, observa-se maior massa corporal e maior densidade mineral óssea (DMO) ao término da maturação do esqueleto. Em 1994, Smith e col. descreveram um homem com resistência estrogênica por mutação no gene do receptor estrogênico alfa, o qual tinha níveis plasmáticos elevados de estrogênio e de gonadotrofinas. O paciente, então com 29 anos, apresentava osteoporose grave e atraso de maturação esquelética, caso, que, portanto, demonstrou claramente o papel do estrogênio para o osso, tanto em mulheres quanto em homens.
Os androgênios também impactam positivamente a formação do pico de massa óssea e da DMO, razão pela qual a diminuição de seus níveis contribui para um declínio na massa muscular, que, por sua vez, reduz a DMO. Em virtude dessa intrínseca relação entre o estrogênio e o metabolismo ósseo, as situações clínicas que levam ao hipoestrogenismo se associam à redução da DMO e, consequentemente, ao aumento do risco de osteopenia e osteoporose, assim como às fraturas por fragilidade. A presença de hipoestrogenismo em mulheres jovens, seja durante a puberdade, seja na adolescência, ocasionada por disfunções nos ovários, como a insuficiência ovariana prematura, leva à diminuição do pico de massa óssea e da DMO, causando maiores índices de osteoporose e maior risco de fratura por fragilidade ao longo da vida.

Insuficiência ovariana prematura
Condição clínica definida pela perda da função dos ovários antes dos 40 anos de idade, a insuficiência ovariana prematura (IOP) tem diagnóstico confirmado por uma ou duas dosagens de hormônio foliculoestimulante (FSH) acima de 25 mUI/mL, coletadas com intervalo de, pelo menos, quatro semanas. Pode decorrer de doenças genéticas, como a síndrome de Turner e a síndrome do X frágil, de afecções autoimunes e de causas iatrogênicas (quimioterapia, radioterapia e cirurgias ovarianas), entre outras, porém a maioria dos casos é idiopática.
As pacientes com IOP apresentam hipoestrogenismo e também hipoandrogenemia, que determinam prejuízo na obtenção do pico de massa óssea e, por conseguinte, diminuição importante da DMO. Essa característica torna-se mais preocupante se essas mulheres ainda não tiverem alcançado seu pico de massa óssea. Além disso, o hipoestrogenismo aumenta a reabsorção óssea, baixando a DMO. Destaca-se que, em pacientes com IOP que já exibem perda de massa óssea, a terapia hormonal nas doses habitualmente utilizadas não é capaz de reverter tal processo.
Dados da literatura mostram que a prevalência de baixa massa óssea nas mulheres com IOP varia de 8% a 27%. Em comparação à população feminina que menstrua regularmente, aquelas com IOP têm DMO (Z-score) da coluna lombar e do colo do fêmur significativamente menor, o que indica DMO baixa para a idade e maior risco de fratura. Já em comparação ao grupo que entra na menopausa nas idades habituais, a prevalência de osteoporose e o risco de fratura chegam a ser de 1,5 a 2 vezes maior na IOP.
Nas mulheres com síndrome de Turner, alguns estudos mostraram que a DMO de coluna lombar pode ser significativamente inferior à daquelas com IOP por outras causas e que a DMO se mostrou superior naquelas que menstruaram de forma espontânea em comparação às com amenorreia primária. Já o risco de fratura pode ser até três vezes superior nas pacientes com síndrome de Turner.
O padrão de marcadores de turnover ósseo na IOP se assemelha ao encontrado na mulher pós-menopausada. Na condição, também se observa maior perda de osso trabecular do que de osso cortical. Contudo, a contribuição do osso trabecular em relação ao cortical para determinar a força óssea no colo do fêmur parece ser pequena.
A etiologia da IOP igualmente pode influenciar a magnitude da perda de DMO. Deve-se lembrar ainda dos fatores de risco* gerais para baixa DMO, assim como da presença de doenças concomitantes e do uso de medicamentos que se associam a esse efeito, como diabetes mellitus, artrite reumatoide, hipertiroidismo, hiperparatiroidismo, insuficiência renal crônica, infecção pelo HIV, glicocorticoides e inibidores da aromatase.
Desse modo, a avaliação da massa óssea é indicada nas pacientes com IOP, já que o retardo no reconhecimento da condição contribui ainda mais para a piora da DMO. No diagnóstico inicial de IOP, preconiza-se medir a DMO em todas as mulheres, em especial se houver fatores de risco adicionais.
*Fatores de risco para baixa DMO e osteoporose em mulheres com IOP • Amenorreia primária • Maior duração de amenorreia/ menopausa • Idade inferior a 20 anos no início da irregularidade menstrual • Mais de um ano de atraso no diagnóstico • Etnia africana ou asiática • Baixos níveis séricos de vitamina D • Ingestão insuficiente de cálcio na dieta • Tabagismo • Não adesão à terapia de reposição estrogênica ou tratamento por curto período • Baixo índice de massa corporal • Inatividade física |

Síndrome dos ovários policísticos
Doença endócrina mais comum nas mulheres, a síndrome dos ovários policísticos (SOP) tem efeito controverso no metabolismo ósseo, segundo a literatura. Uma revisão sistemática e metanálise, publicada em 2024, analisou 31 estudos, transversais e de coorte, que totalizaram cerca de 32 mil pacientes com SOP e 100 mil controles. Como principais achados, as mulheres com SOP e índice de massa corporal (IMC) inferior a 27 kg/m² apresentaram menor DMO de coluna lombar e fêmur total, maiores níveis de reabsorção óssea (CTX) e menores níveis de formação óssea (P1NP) em comparação àquelas sem SOP. Já as pacientes com SOP e IMC ≥27 kg/m² exibiram maior DMO na coluna torácica e fêmur total, sem diferenças nos níveis de CTX e P1NP em comparação ao grupo de controles.
Os autores concluíram que as mulheres com SOP e IMC inferior a 27 kg/m² poderiam, portanto, representar um grupo com maior risco para fraturas ósseas, porém esses dados ainda precisam ser confirmados por mais estudos.
Exames usados para avaliar a massa óssea
Para a avaliação da massa óssea em pacientes com disfunções ovarianas, deve-se utilizar métodos sensíveis para detectar a perda de DMO e determinar o risco de fratura, os quais, no entanto, podem ter limitações na IOP. O padrão-ouro para o diagnóstico de osteopenia e osteoporose nesses casos é a densitometria óssea, que precisa ser realizada, conforme as recomendações da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE, na sigla em inglês), em todas as mulheres com IOP no momento do diagnóstico, principalmente se o quadro for de longa duração ou na presença de outros fatores de risco para osteoporose.
A comparação da massa óssea da paciente com aquela para a mesma idade, sexo e, em alguns casos, etnia, gera o Z-score. Um Z-score inferior ou igual a -2,0 desvios-padrão (DP) classifica a massa óssea como abaixo do esperado para a idade e um Z-score acima de -2,0 DP, como dentro do esperado para a idade. Já o T-score compara a massa óssea da paciente com a de uma população de adultos jovens e saudáveis (pico de massa óssea).
Um T-score inferior ou igual a -2,5 define osteoporose e um de -2,4 a -1,1 indica osteopenia, enquanto um de -1,0 ou mais classifica a massa óssea como normal. Vale assinalar que a utilização de Z ou T-score vai depender da idade e de fatores clínicos de cada paciente.
O método, contudo, tem limitações. Não diferencia osso cortical de osso trabecular e não fornece informações sobre a qualidade ou a geometria óssea, sem contar o fato de que os valores obtidos requerem ajustes em relação à altura em pacientes com baixa estatura, como ocorre nas mulheres com síndrome de Turner.
Para completar, não há estudos suficientes com a população feminina jovem com IOP sobre a relação entre a DMO e o risco de fratura. O FRAX não foi validado para mulheres com menos de 40 anos de idade e, portanto, não pode ser aplicado a esse grupo. Já o escore de osso trabecular (TBS), que analisa a microarquitetura trabecular da coluna lombar, pode ser uma ferramenta relevante nesses casos, considerando-se que a perda de DMO nas pacientes com IOP é principalmente trabecular. Em conjunto com a densitometria óssea, o TBS contribui para a avaliação da saúde óssea nesse grupo, ainda que pesquisas mais amplas sejam necessárias para corroborar os achados.
No estudo de Nguyen et al. com 58 pacientes com síndrome de Turner, o TBS forneceu informações para o diagnóstico e a estratificação de risco de fragilidade esquelética, independentemente das medidas da DMO. No entanto, não se recomenda a técnica para mulheres com menos de 20 anos de idade ou com IMC superior a 37 kg/m².
Outros métodos de imagem para a avaliação da massa óssea incluem a tomografia computadorizada quantitativa periférica e a tomografia de alta resolução, que conseguem identificar as diferenças entre osso trabecular e cortical nas mulheres com IOP, apesar de não serem amplamente disponíveis.
A ESHRE ainda preconiza, na investigação inicial da saúde óssea, exames laboratoriais como ureia, eletrólitos, creatinina, cálcio, magnésio, fosfato, testes de função hepática, TSH e 25-hidroxivitamina D. Na presença de diminuição de massa óssea, convém pesquisar causas secundárias de osteoporose com os exames de PTH sérico, teste de doença celíaca, eletroforose e excreção de cálcio urinário de 24 horas. Havendo perda de peso, dor lombar, doenças crônicas associadas com baixa DMO e uso atual ou passado de glicocorticoides, a radiografia da coluna torácica e lombar ou a avaliação do risco de fratura por densitometria óssea (VFA) devem fazer parte desse estudo inicial, dependendo do caso, evidentemente.
Para o acompanhamento da massa óssea, a ESHRE recomenda a repetição da densitometria em um a três anos se houver diagnóstico de baixa massa óssea ou nos casos em que se espera uma maior taxa de perda de DMO. Já em caso de DMO normal e manutenção de terapia estrogênica, o valor de repetir a densitometria óssea dentro de cinco anos é pequeno.
Consultoria Médica
Densitometria óssea, VFA, TBS, FRAX e NOGG
Dra. Cynthia Maria Alvares Brandão - [email protected]
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Ginecologia e Biologia Molecular
Dr. Gustavo Arantes Rosa Maciel - [email protected]
Referências
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Febrasgo Position Statement. Insuficiência ovariana prematura: foco no tratamento hormonal. Número 2 – Agosto 2020.
Guideline of the European Society of Human Reproduction and Embryology. Premature ovarian insufficiency (POI). 2024.
Meczekalski B, et al. Managing early onset osteoporosis: the impact of premature ovarian insufficiency on bone health. J Clin Med. 2023;12: 4042.
Nguyen HH, et al. A cross-sectional and longitudinal analysis of trabecular bone score in adults with turner syndrome. J Clin Endocrinol Metab. 2018;103(10):3792–3800.
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