O assoalho pélvico é uma estrutura muscular com importante função na manutenção da continência anal e com influência na defecação. A disfunção nessa estrutura tão peculiar, seja por motivos funcionais, seja por motivos anatômicos e/ou neurológicos, acarreta morbidades com significativo impacto social, emocional, psicológico e econômico.
As anormalidades do assoalho pélvico incluem condições como incontinência urinária, prolapso de órgãos pélvicos, incontinência anal, disfunção evacuatória, sintomas de endometriose, dor pélvica crônica, sintomas após cirurgia no reto (síndrome da ressecção anterior do reto) ou anal e disfunções sexuais.
A idade é um dos principais fatores de risco para as afecções do assoalho pélvico (veja os demais no boxe no alto da página), notadamente no sexo feminino. Sabe-se que, em 2023, nos países desenvolvidos, 20,2% da população apresentava mais de 65 anos, com expectativa de ascender para 27,8%, em 2050, e totalizar 1,5 bilhão – ou uma em cada seis pessoas.
No Brasil, em 1990, 10 milhões de pessoas tinham mais de 60 anos e, em 2010, 20 milhões, com estimativa de chegar a 40 milhões em 2030. Além disso, enquanto, na década de 1980, a expectativa de vida do brasileiro era de 60 anos, saltou para 75 anos em 2020, com estimativa de quase 80 anos no ano de 2040. Ademais, espera-se uma sobrevida, na população brasileira, de mais 22 anos caso o indivíduo alcance 60 anos de idade.
O aumento progressivo da expectativa de vida em todo o mundo e também em nosso país, acrescido de outros fatores em ascensão, tais como a obesidade e o diabetes mellitus, faz com que, em um futuro não tão distante, ocorra também uma maior incidência de distúrbios do assoalho pélvico na prática clínica, sobretudo naqueles pacientes em quem se somam ainda outros fatores de risco para essas morbidades.
| Fatores de risco para distúrbios do assoalho pélvico | ⊲ Idade ⊲ Passado obstétrico ⊲ Comorbidades (esclerodermia, hipotiroidismo, diabetes mellitus, depressão, endometriose, doença de Parkinson) ⊲ Antecedente de radioterapia pélvica ⊲ Imobilidade prolongada (pacientes acamados ou com déficits de locomoção) ⊲ Obesidade ⊲ História de cirurgias orificiais ou intestinais ⊲ Uso crônico de analgésicos, opioides e medicamentos psiquiátricos, entre outros. |
Principais afecções do assoalho pélvico
● Constipação intestinal
Configura um dos transtornos gastrointestinais funcionais mais comuns, com elevada frequência na população, já que acomete 16% dos adultos e 33% dos maiores de 60 anos de idade, notadamente no sexo feminino, com prevalência de 3:1 em comparação ao sexo masculino. Dados de levantamento brasileiro demonstram uma incidência de 20,8% do distúrbio em pessoas idosas acompanhadas em ambulatório especializado de Geriatria e Gerontologia.
Além disso, sabe-se que cerca de 20-25% dos pacientes constipados crônicos, ou cerca de 7% da população geral, apresentam sintomas relacionados à evacuação obstruída, que decorre fundamentalmente da presença de retocele, da contração paradoxal do músculo puborretal e/ou da força de propulsão retal inadequada.
● Incontinência anal
Com incidência bastante variável, que oscila de 1,4% a 18%, com média geral de 2% a 8,4%, e dependente da população em estudo, a incontinência anal é definida como a passagem involuntária de fezes ou flatos pelo ânus por, pelo menos, três meses em pessoas com mais de 4 anos de idade e que previamente apresentavam controle esfincteriano adequado.
Em pessoas idosas, pode alcançar valores de até 13,6%, chegando a 16,9% naquelas com mais de 65 anos, a 18% em populações acima de 85 anos, em cerca de 18% a 33% dos pacientes hospitalizados e em 50% das pessoas institucionalizadas. Contudo, é preciso ressaltar que tais dados são bastante subestimados, visto que aproximadamente 50% a 70% dos portadores de incontinência anal nunca a reportaram a seus médicos. Assim, o foco mais apropriado e adequado deve envolver as situações que precedem a condição e os fatores de risco envolvidos no seu desenvolvimento.
● Incontinência urinária
Caracterizada pelo escape involuntário de urina, seja em repouso, seja aos esforços. Acomete entre 10% e 35% das mulheres e 20% desse grupo requer tratamento especializado.
● Endometriose
A condição afeta cerca de 10% das mulheres e tem o trato gastrointestinal como um dos locais mais comuns de endometriose extragenital, que ocorre em 3,8% a 37% dos casos. A presença de dor profunda durante a relação sexual, dissinergia e incoordenação para a evacuação, hematoquezia, constipação intestinal e dor pélvica crônica, que irradia para o períneo, deve levantar a suspeita dessa forma de endometriose.
● Dor pélvica crônica
A dor anorretal funcional é uma condição debilitante que inclui um conjunto de síndromes caracterizadas por queixa álgica na região anorretal sem causa estrutural aparente. Dentre essas condições, destacam-se a proctalgia fugaz, a síndrome do elevador do ânus, a síndrome do músculo puborretal e outras dores anorretais crônicas inespecíficas, que têm um impacto significativo na qualidade de vida das pessoas, afetando suas atividades diárias e seu bem-estar psicológico. A manifestação pode decorrer também de endometriose pélvica, que configura uma das principais causas de dor pélvica crônica.
A proctalgia fugaz, vale salientar, caracteriza-se como uma dor mais profunda no reto, do tipo cãibra, que pode, inclusive, acordar o paciente à noite. Não raro, tem o relaxamento inadequado do músculo puborretal como causa.
Avaliação clínica e exames complementares
A adequada avaliação clínica dos distúrbios funcionais do assoalho pélvico inicia-se pela sua suspeição, baseada, fundamentalmente, no reconhecimento dos pacientes com fatores de risco para as ocorrências, o que é de significativa relevância. A seguir, uma detalhada história clínica, com análise da gravidade dos Figura 1. Pressões de repouso, contração e sustentação esfincteriana anorretal. Figura 2. Contração paradoxal (inadequada) do músculo puborretal e reflexo inibitório retoanal. Avaliação clínica e exames complementares sintomas por meio de índices bem estabelecidos na literatura e instrumentos de qualidade de vida, completa a anamnese. Posteriormente, o exame físico deve ser bastante valorizado, com identificação de possíveis anormalidades já na inspeção anal, seguida pelo exame digital propriamente dito e pela anuscopia.
Figura 1. Pressões de repouso, contração e sustentação esfincteriana anorretal.
Figura 2. Contração paradoxal (inadequada) do músculo puborretal e reflexo inibitório retoanal.
A manometria anorretal é um dos testes fisiológicos mais empregados e estudados para a avaliação de pacientes com distúrbios do assoalho pélvico. Constitui-se em importante método de investigação, utilizado em consultórios, clínicas ou hospitais especializados, para a avaliação de indivíduos com distúrbios anorretais, podendo sugerir o diagnóstico e orientar a conduta, com impacto positivo no estudo de anormalidades da função esfincteriana anorretal e da coordenação retoanal durante a defecação.
O exame tem o intuito de determinar os valores funcionais esfincterianos das pressões anais de repouso e de contração voluntária, o comprimento do canal anal funcional, a capacidade de sustentação da contração e os indícios de contração paradoxal do músculo puborretal, além do reflexo inibitório retoanal, da sensibilidade e capacidade retal e da assimetria esfincteriana de repouso e contração.
Finalmente, a avaliação desses casos pode ainda incluir o teste de expulsão do balão retal, a fim de buscar mais um subterfúgio para inferir ou afastar, com maior propriedade e por meio de um único exame, a existência ou ausência de indícios de contração paradoxal do músculo puborretal e da força de propulsão retal (figuras 1 e 2).
Conheça o Serviço de Assistência Multidisciplinar às Doenças do Assoalho Pélvico
Dentro do Centro Integrado de Endometriose, o Fleury agora mantém o Serviço de Assistência Multidisciplinar às Doenças do Assoalho Pélvico, que oferece exames para o diagnóstico dessas condições, como a manometria anorretal e a ressonância magnética com avaliação funcional, anatômica e dinâmica da musculatura anorretal e dos órgãos da região, além de protocolos de atendimento e apoio ao tratamento para a paciente. O local ainda estabelece vínculos e discussões dos casos entre coloproctologistas, ginecologistas, urologistas, fisioterapeutas, nutricionistas, enfermeiras e psicólogas para a prestação de uma assistência multi e interdisciplinar à paciente, agregando também os setores de exames complementares de imagem, endoscópicos e funcionais para fornecer o mais completo estudo ao médico solicitante.
Protocolos de atendimento às doenças do assoalho pélvico:
■ Avaliação de adolescentes e adultas
■ Avaliação e acompanhamento médico
■ Avaliação e acompanhamento nutricional
■ Avaliação e acompanhamento psicológico
■ Fisioterapia pélvica
■ Biofeedback anorretal
Conclusão
Os distúrbios funcionais do assoalho pélvico apresentam incidência não desprezível na nossa população e tendem a se tornar mais prevalentes, haja vista o crescimento do número de pessoas idosas e o aumento da expectativa de vida. O conhecimento dessas condições é fundamental na prática médica, seja por meio de entrevista direta, seja por meio de relatos espontâneos pelos pacientes.
Para o manejo adequado de tais distúrbios, além de uma adequada anamnese e de exame físico executados por profissional habilitado e afeito ao assoalho pélvico, a manometria anorretal desempenha importante papel no diagnóstico, no tratamento e no prognóstico das afecções, podendo, inclusive, orientar quais exames podem ser solicitados para completar a propedêutica médica.
A conduta e o tratamento dessas condições são desafiadores devido à sua natureza complexa e multifatorial. Diversas abordagens têm sido propostas, incluindo terapêuticas farmacológicas, biofeedback, fisioterapia do assoalho pélvico, injeções de toxina botulínica, procedimentos cirúrgicos e neuromodulação sacral.
Consultoria Médica em Coloproctologia
Dr. Isaac J. F. Corrêa Neto - [email protected]
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