Ultrassonografia morfológica de primeiro trimestre permite diagnósticos precoces na gestação

Ultrassonografia morfológica de primeiro trimestre permite diagnósticos precoces na gestação

Com o aumento da resolução da imagem ultrassonográfica, a avaliação da anatomia fetal no  primeiro trimestre de gestação tornou-se mais acurada,  possibilitando maior diagnóstico de anormalidades  fetais em idade precoce. Em geral, as taxas de detecção  de anomalias fetais no primeiro trimestre ficam em  torno de 60%, sendo maiores para as malformações de  parede abdominal, sistema nervoso central, cardíacas e  esqueléticas (Springhall et al., 2018).  

Assim, a ultrassonografia (USG) morfológica de primeiro  trimestre é um método de acompanhamento pré-natal  indicado para todas as gestantes, constituindo-se num rastreamento completo no início da gravidez. O método  não se limita a investigar anomalias cromossômicas,  mas também se aplica ao rastreamento combinado do primeiro trimestre, composto pela ultrassonografia e  pelo perfil bioquímico, o qual permite a identificação de  riscos das principais aneuploidias, de pré-eclâmpsia e de restrição de crescimento fetal. 

O exame pode ser realizado de 11 semanas e 3 dias a  13 semanas e 6 dias de gravidez, preferencialmente em  mulheres com idade gestacional de 12 semanas para  melhor avaliação da morfologia fetal e da medida da  translucência nucal (TN) e de outros marcadores de  anomalias cromossômicas. O primeiro trimestre também  configura o período ideal para a determinação de  corionicidade nas gestações múltiplas. 

A USG morfológica de primeiro trimestre abrange o  estudo sistematizado da anatomia fetal básica e a  análise de parâmetros utilizados para o cálculo do risco  de trissomias. No rastreamento de cromossomopatias,  a medida da TN é um parâmetro importante para a estimativa de risco de anormalidades, como as trissomias  dos cromossomos 21, 18 e 13, e outras anomalias,  especialmente os defeitos cardíacos congênitos.  

Existe uma faixa de normalidade da medida da TN para  cada medida do comprimento cabeça-nádegas. Em  caso de TN maior do que o máximo esperado, indica-se  a continuação da investigação. Estudos prospectivos  mostram que cerca de 75% dos fetos com trissomia do  21 tinham TN aumentada e 70%, osso nasal ausente  (Cicero et al., 2001; Nicolaides, 2004)

Parâmetros avaliados na USG morfológica de primeiro trimestre
Confirmação do número de fetos, corionicidade e amnionicidade,  se gestação gemelar
Biometria e crescimento fetal: avaliação do comprimento  cabeça-nádegas e das medidas dos diferentes segmentos do feto
Rastreamento de anomalias cromossômicas: medida da TN,  avaliação do osso nasal, avaliação do fluxo sanguíneo no ducto  venoso, regurgitação tricúspide e outros  
■ Anatomia fetal do primeiro trimestre
Placenta e cordão umbilical
Presença de hematoma ou descolamento placentário
Avaliação do útero, ovários, anexos e cavidade pélvica

Adaptado de: Zugaib, 3ª edição.

Estruturas anatômicas que podem ser  avaliadas à USG de primeiro trimestre

Órgão/área anatômica
Presente e/ou normal
Cabeça
• Presente
• Ossos cranianos
• Foice da linha média
• Ventrículos preenchidos pelo plexo coroide
Pescoço
• Aparência normal
• Espessura da TN
Face
• Olhos com cristalinos
• Osso nasal
• Mandíbula/perfil normal
• Lábios intactos
Coluna
• Vértebras (longitudinal e axial)
• Pele sobrejacente intacta
Tórax
• Campos pulmonares simétricos
• Ausência de efusões ou massas
Coração
• Atividade cardíaca regular
• Quatro câmaras simétricas
Abdome
• Estômago presente no quadrante superior  esquerdo
• Bexiga
• Rins
Parede Abdominal
• Inserção normal do cordão
• Ausência de defeitos umbilicais
Extremidades
• Quatro membros, cada um com três segmentos
• Mãos e pés com orientação normal
Placenta
• Tamanho e textura
Cordão
• Presença de três vasos

Adaptado de: ISUOG Practical Guidelines, 2013.

No primeiro trimestre, a USG  também rastreia anomalias não cromossômicas, a exemplo dos defeitos cardíacos maiores, que podem ser detectados  precocemente pelos achados de TN aumentada, regurgitação tricúspide e onda a reversa no ducto venoso.  

No estudo de Minnella et al., feito em 2020, o exame permitiu 53,6%  dos diagnósticos de defeitos cardíacos maiores, percentual que caiu para 38,9% no ultrassom feito entre 18 e 24 semanas, para  4,7% no terceiro trimestre e para  2,8% após o nascimento. No primeiro trimestre, os achados incluíram todos os casos de atresia pulmonar ou tricúspide e displasia polivalvar, mais de 90% dos casos de síndrome do coração esquerdo hipoplásico ou defeito do septo atrioventricular, cerca de 60% dos defeitos cardíacos complexos e dos casos de isomerismo atrial esquerdo, 30-40% dos casos de tetralogia de Fallot, 25% dos casos de anormalidades da válvula tricúspide e cerca de 15% dos casos de transposição das grandes artérias. 

Observou-se a presença de TN igual ou superior  ao percentil 95 ou igual ou superior ao percentil  99, regurgitação tricúspide ou fluxo anormal  no ducto venoso em 36,5%, 21,3%, 28,9% e  27,5%, respectivamente, dos fetos com defeitos cardíacos maiores. Ademais, qualquer um dos principais achados (TN igual ou superior ao percentil 95, regurgitação tricúspide ou fluxo  anormal no ducto venoso) foi encontrado em  55,5% dos fetos com defeitos cardíacos maiores.

Esse estudo ainda destaca a importância  da inclusão da dopplervelocimetria para o rastreamento dos defeitos cardíacos. O Doppler mostra-se relevante não apenas para avaliar  os dados fetais, mas igualmente para calcular o risco de pré-eclâmpsia quando se realiza o  rastreamento combinado do primeiro trimestre. 

Quando isolada, a medida da TN é mais sensível que outros parâmetros, porém há aumento de sua acurácia se ela for combinada com outros marcadores de anomalias fetais, de forma que o risco aumenta na presença de múltiplos marcadores. Nas gestantes de alto risco ou com medida limítrofe da TN, o uso do Doppler e a presença de regurgitação tricúspide auxiliam a triagem do risco de anormalidades. Além da TN, outros sinais que indicam anormalidades cromossômicas incluem restrição de crescimento fetal, taquicardia, fluxo anormal no ducto venoso, onfalocele e artéria umbilical única. A medida da TN e de outros parâmetros fetais, como presença de osso nasal, ducto venoso com onda a ausente ou  reversa e regurgitação tricúspide, possibilita calcular  a probabilidade de cromossomopatias, como a trissomia do 21.

Rastreamento/perfil bioquímico associado à USG morfológica de primeiro trimestre com dopplervelocimetria das artérias uterinas

No primeiro trimestre da gestação, é possível fazer o  rastreamento bioquímico, que consiste na dosagem  de fração livre de beta-hCG sérica (beta-hCG  free), proteína A plasmática associada à gestação  (PAPP-A) e fator de crescimento placentário (PlGF), combinado à aferição da pressão arterial materna e  à USG morfológica de primeiro trimestre.

Os dados clínicos maternos, ultrassonográficos e  bioquímicos têm utilidade para a identificação de gestantes com risco aumentado para síndromes  genéticas, como as trissomias dos cromossomos  21, 18 e 13, pré-eclâmpsia e restrição de crescimento fetal.

A combinação da USG com a bioquímica representa o método mais sensível para a determinação de  risco de alterações cromossômicas na gestação, atingindo 90% de sensibilidade. Estudos mostram que a associação de TN com os marcadores bioquímicos apresenta taxas de detecção da trissomia do 21 de 97%, com índice de falso- -positivo de 5%. O rastreamento combinado  está indicado para todas as gestantes e deve ser realizado no mesmo período da USG morfológica. Já os exames de sangue podem ser coletados antes do estudo ultrassonográfico, a partir da idade gestacional de 10 semanas.

Teste pré-natal não invasivo (NIPT)

O NIPT pode ser feito a partir de dez semanas de gravidez e consegue determinar se o feto  apresenta risco alto  para aneuploidias fetais. As taxas de detecção  para as trissomias  dos cromossomos 21, 13 e 18 alcançam em  torno de 98%, com especificidade de 99,9%, valor preditivo negativo de 99,9% e valor preditivo positivo de 89,1%.

O exame pode entrar como triagem em gestantes submetidas ao rastreamento combinado do primeiro trimestre, ajudando a  escolher o subgrupo de pacientes que poderá se beneficiar de procedimentos invasivos (biópsia  de vilo corial ou amniocentese) para a investigação de anomalias  cromossômicas (figura 1). Da mesma forma, a possibilidade  de realizar o NIPT antes da USG  morfológica de primeiro trimestre ajuda a direcionar o exame e  definir a necessidade e tipo de procedimento invasivo (figura 2).

Consultoria médica em Medicina Fetal

Dra. Luciana Carla Longo e Pereira -  [email protected]

Dr. Mário Henrique Burlacchini de Carvalho - [email protected]


Referências  

Cicero S, Curcio P, Papageorghiou A,  et al. Absence of nasal bone in fetuses  with trisomy 21 at 11–14 weeks of  gestation: an observational study. Lancet.  2001;358(9294):1665-1667. 

Gadsbøll K, Vogel I, Kristensen SE, et al.  The Danish Cytogenetic Central Register  study group. Combined first‐trimester  screening and invasive diagnostics for  atypical chromosomal aberrations: Danish  nationwide study of prenatal profiles and  detection compared with NIPT. Ultrasound  Obstet Gynecol. 2024;64:470-479. 

ISUOG.org. ISUOG Practical Guidelines:  performance of first-trimester fetal  ultrasound scan. Ultrasound Obstet Gynecol.  2013;41:102-113. 

Kagan KO, Sonek J, Kozlowski P. Antenatal  screening for chromossomal abnormalities.  Arch Gynecol Obstet. 2022;305:825-35. 

Minnella GP, Crupano FM, Syngelaki A, et al.  Diagnosis of major heart defects by routine  first‐trimester ultrasound examination:  assoiation with increased nuchal  translucency, tricuspid regurgitation and  abnormal flow in ductus venosus. Ultrasound  Obstet Gynecol. 2020;55:637-644. 

Nicolaides KH. First-trimester screening  for chromossomal abnormalities. Semin  Perinatol. 2005;29:190-194. 

Nicolaides KH. Nuchal translucency and  other first-trimester sonographic markers  of chromosomal abnormalities. Am J Obstet  Gynecol. 2004;191:45-67. 

Springhall EA, Rolnik DL, Reddy M,  et al. How to perform a sonographic  morphological assessment of the fetus at  11-14 weeks. Australas J Ultrasound Med.  2018;21(3):125-137.