Revolução prateada: deixem nossos cabelos brancos em paz

Enquanto homens grisalhos são considerados símbolos de charme e maturidade, mulheres de todas as idades são cobradas a cobrir os fios brancos para não parecerem “velhas demais”. Essa realidade, no entanto, está mudando.

"Um modelo de amor-próprio, é isso que eu acho que quero ser. Com as minhas rugas, os meus cabelos brancos." Foi assim que a personagem Rebeca, vivida pela atriz Andrea Beltrão na novela Um lugar ao sol (Rede Globo), respondeu ao repórter que lhe perguntava sobre o segredo da sua juventude. Aos 50 anos, a ex-modelo fez da entrevista um lúcido manifesto sobre como as mulheres são impedidas de viver a própria idade de maneira livre. 

Na trama, a cena bombou na internet e Rebeca recebeu a notícia de que uma empresa de beleza queria contratá-la para ser o rosto de uma campanha publicitária. Na vida real, o discurso também fez sucesso, pois veio ao encontro de um grande movimento iniciado nos últimos anos: a libertação das mulheres dos padrões estéticos impostos pela sociedade e o direito de assumir os cabelos brancos em paz. 

Basta olhar ao redor para perceber que, cada vez mais, tem aumentado a quantidade de mulheres que está deixando de tingir os fios grisalhos para ostentar suas cabeleiras na cor natural. Nas ruas, nas telas da TV, no cinema e nos perfis do Instagram, são inúmeros os registros de rostos femininos de todas as idades emoldurados pelos infinitos e lindos tons dos cabelos prateados. 

“Apesar de ainda vivermos numa sociedade que glorifica os valores da juventude — o Brasil é campeão em número de procedimentos estéticos que visam disfarçar o processo natural de envelhecimento —, percebo que, aos poucos, os entendimentos estão mudando. Muitas mulheres vêm renunciando à ideia de que cabelo branco é sinônimo de desleixo e assimilando que o autocuidado é algo muito além de imposições sociais silenciosas ou escancaradas”. A opinião é da jornalista e especialista em gerontologia Maria Eduarda Andrade, ela própria uma entusiasta do direito de não tingir os cabelos. 

Quando começou a cursar a pós-graduação da ciência que estuda o envelhecimento humano, Maria Eduarda passou a questionar seu processo individual de encarar os ciclos de cada idade. Ela se perguntava: por que as pessoas associam o envelhecimento a algo ruim se, ao mesmo tempo, desejam seguir vivendo?  

O questionamento ganhou força e virou a certeza de que não fazia sentido tentar se enquadrar num padrão de beleza e esconder sua história. “Como o princípio de pintar o cabelo para esconder meu envelhecimento me causou um desconforto maior do que os próprios cabelos brancos, fui deixando a natureza seguir seu curso e hoje, aos 40, passei a gostar do meu visual grisalho. É um lembrete diário de que o tempo segue seu ritmo e de que preciso cuidar do meu corpo de forma responsável”, ela conta.

Libertação depois dos 40

A virada dos 40 anos também foi o clique sentido pela arquiteta Renata Lopes. Desde que os primeiros fios grisalhos começaram a aparecer, aos 25, ela passou a tingir os cabelos. Todos os meses, eram horas gastas no salão numa luta constante contra os fios brancos que cresciam rapidamente deixando a raiz original à mostra: “Fui ficando cada vez mais cansada desse ritual. Quando bati as quatro décadas, resolvi experimentar agir diferente: deixar vir a cor natural dos meus cabelos e abandonar a química a que me submetia sem nem refletir porque fazia aquilo”.

Em casa, a arquiteta encontrou apoio da família para encarar a decisão. Entre os amigos, porém, ouviu incontáveis conselhos sobre como parecia estar mais envelhecida. “Você é tão bonita. Deveria se valorizar mais, pintar esses cabelos”. A cada comentário desse tipo recebido, mais convicção Renata sentia de que não precisava seguir qualquer padrão para se sentir bem. 

“Quanto mais falavam que eu deveria esquecer essa ideia, mais eu curtia meus fios brancos. Descobri que não precisava viver presa ao que as pessoas pensam sobre mim e muito menos ao medo de parecer ter a idade que de fato tenho. No fim, foi uma grande libertação estética, de tempo e também financeira, já que abandonei os caros processos de tintura em salão. Hoje não me sinto obrigada a nada. Faço o que tiver vontade, inclusive voltar a pintar, se esse for o meu desejo — que, confesso, ainda não bateu”. 

Herança genética

A publicitária Marcela conhece todas essas fases da transição para uma cabeleira prateada. Sua saga teve início aos 15 anos de idade, quando uma herança genética do pai fez brotar em sua cabeça as primeiras madeixas brancas. Por muito tempo, aquela lhe parecia uma espécie de brincadeira de mau gosto do destino. Com tantas qualidades paternas, havia ficado justo com a característica que mais lhe dava trabalho e causava desconforto diante do espelho?

Foram anos recorrendo às tinturas a cada quinze dias. A meta era esconder qualquer sinal de envelhecimento que porventura despontasse. Até que veio a primeira gravidez e a proibição do uso de químicas no couro cabeludo. E agora, o que faria com tanta aquela branquitude?, pensou Marcela.

A resposta veio num passeio por uma rua de Berlim, cidade onde ela havia ido passar as férias: seu cabelo lá não era uma questão, pois ninguém parecia se importar com a aparência de ninguém. A sensação de liberdade acertou Marcela na caixa dos peitos: “Quando entendi que somente o que eu penso sobre mim importa, virei a chave. Resolvi que não pintaria mais os cabelos por pura pressão social. Isso me revirou por dentro de maneira avassaladora. Eu, que sempre me considerei fraca e frágil, descobri uma força interior incrível”, diz a publicitária.

A decisão de Marcela transformou não somente sua relação com o espelho, mas a maneira de enxergar a vida. Com os cabelos brancos, ela assumiu também as próprias vontades, gostos, opiniões. E o medo de parecer velha? Foi embora e deixou no lugar uma mulher mais bonita, segura, corajosa e feliz. “Acho engraçado ver as pessoas se chocarem com uma mulher de 40 anos completamente grisalha, bem cuidada e bonita. Quero fazer 50, 60, 70 do mesmo jeito. Hoje me amo muito mais do que antes e sei que virei uma inspiração para outras pessoas em seus próprios processos de redescoberta da beleza”, diz. 

Na vida real ou na ficção, as mulheres prateadas já estão fazendo uma revolução. Maria Eduarda, Renata e Marcela são apenas algumas das vozes nesse grande hino pela liberdade de poder fazer escolhas, conectadas apenas pelo próprio desejo. Aprenderam que envelhecer é um privilégio e a juventude, como disse a personagem Rebeca em seu manifesto, “não tem a ver com a idade, tem a ver com abrir a cabeça. Com não parar no tempo. Com questionar todo tipo de preconceito, inclusive o etarismo”.