Período de transição entre a infância e a idade adulta, com típicas mudanças somáticas, comportamentais e psicológicas, a puberdade se caracteriza sobretudo pela aquisição da maturidade sexual e da função reprodutiva. Do ponto de vista neuroendócrino, é definida como a completa ativação do eixo hipotálamo-hipofisário-gonadal (HHG).
De acordo com o estadiamento puberal de Marshall e Tanner, o primeiro sinal do início da puberdade em crianças do sexo feminino é o desenvolvimento das mamas, ou telarca, seguido pelo aceleramento do crescimento linear e da menarca. Já nas do sexo masculino, o aumento dos testículos configura a primeira manifestação puberal, que precede o crescimento linear e do pênis.
Para completar, a adrenarca, que se traduz clinicamente pelo aparecimento dos pelos axilares e pubianos, odor axilar e maior oleosidade da pele, costuma acompanhar essa fase.
Puberdade precoce: o que é e por que investigar?
A puberdade é considerada precoce, requerendo avaliação, quando o início do desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários ocorre antes dos 8 anos, nas meninas, e dos 9 anos, nos meninos. Quando não tratada, a puberdade precoce pode ter, como consequência clínica significativa, a baixa estatura na idade adulta, além de incompatibilidade física e psicológica entre a criança e seus pares e o risco de gestação, entre outros desfechos. Diante da suspeita desse quadro, é imprescindível proceder a uma investigação cuidadosa de sua etiologia, uma vez que, ainda que a maior parte dos casos seja idiopática, cerca de 10% estão associados com doenças do sistema nervoso central (SNC). Na prática, quanto mais cedo ocorrerem as manifestações clínicas da puberdade precoce ou mais rápida for a evolução, maior a chance de existirem alterações orgânicas associadas.
Nesse contexto, convém lembrar que a puberdade precoce é classificada, de acordo
com o processo patológico subjacente, em central (PPC) ou periférica (PPP).
A puberdade precoce central em detalhes
A PPC responde por cerca de 80% dos casos de puberdade precoce. Em 76% a 90% das meninas e em 25% a 60% dos meninos afetados, a PPC não tem uma etiologia definida e é considerada idiopática. Os demais casos decorrem de condições monogênicas, de formas sindrômicas de PPC e de lesões no SNC.
Nesse cenário, a investigação das crianças com PPC deve se iniciar com uma história clínica detalhada, com atenção à presença de outros sinais e sintomas e de comorbidades associadas, ao uso de medicamentos, sobretudo exposição a esteroides sexuais, e aos marcos puberais dos familiares.
Um exame físico minucioso também é fundamental e, além da avaliação e do seguimento do estadiamento puberal, deve incluir a curva de crescimento linear, a adiposidade corporal e a presença de dismorfismos, ainda que sutis, de alterações neurológicas ou visuais e de estigmas cutâneos, entre outras características que eventualmente possam se associar a síndromes.
Causas associadas à puberdade precoce central
Idiopática | Maior parte dos casos |
Formas genéticas monogênicas isoladas | Genes envolvidos já identificados: MKRN3, DLK1, KISS1, KISS1R |
Formas sindrômicas de PPC | Algumas síndromes genéticas podem cursar com PPC, a exemplo das síndromes de Pallister-Hall, Cowden, Temple, neurofibromatose tipo 1 e esclerose tuberosa, entre outras |
Lesão do SN | Hamartoma hipotalâmico, irradiação prévia do SNC, hidrocefalia, cistos, traumas, doenças inflamatórias e defeitos congênitos das estruturas encefálicas medianas, entre outras |
Neoplasia do SNC | Astrocitoma, pinealoma, ependimomas e glioma óptico, entre outros |
Variantes benignas ou não progressivas
Existem também variações do desenvolvimento puberal normal que não são patológicas: a telarca precoce isolada, a pubarca precoce isolada e a menarca precoce isolada.
Esses quadros costumam ter boa evolução e não comprometer a estatura final, contudo exigem acompanhamento contínuo em relação à sua progressão.
Avaliação laboratorial
As dosagens séricas das gonadotrofinas – LH e FSH –, além do estradiol, nas meninas, e da testosterona, nos meninos, ajudam a confirmar o quadro de PPC diante da suspeita clínica e a diferenciá-la da PPP.
O LH é o marcador mais sensível, uma vez que permanece indetectável até os primeiros estágios puberais. Com os métodos atuais ultrassensíveis, a exemplo do ensaio eletroquimioluminométrico (ECLIA), níveis acima de 0,3 UI/L são considerados indicativos de eixo puberal ativado e, portanto, condizentes com o início da puberdade.
Contudo, vale ponderar que, inicialmente, o LH aumenta durante o período noturno e, portanto, a presença de valores indetectáveis não exclui completamente a hipótese de PPC. Dessa forma, diante de valores de LH pré-púberes em contexto clínico apropriado, uma segunda dosagem basal e/ou o teste do GnRH devem ser feitos.
Os níveis de FSH, por sua vez, mostram considerável sobreposição entre os períodos pré puberal e puberal e, por isso, precisam ser interpretados à luz da clínica e em conjunto com os demais testes.
A testosterona, preferencialmente dosada por cromatografia líquida (HPLC) acoplada à espectrometria de massas em tandem (MS/MS), configura um excelente marcador de precocidade sexual em meninos, tanto na PPC quanto na PPP. Nas meninas, estradiol indetectável não afasta o diagnóstico e tende a aumentar progressivamente durante os estágios puberais.
Convém assinalar que os níveis de inibina B também aumentam no início da puberdade em ambos os sexos e ao longo dos estágios de Tanner, motivo pelo qual sua dosagem representa um bom marcador para seguimento, quando disponível.
O que é o teste de estímulo com GnRH?
Mediante um valor de LH basal pré-púbere, ou seja, menor que 0,3 UI/L, com quadro clínico de puberdade precoce, deve-se realizar teste do GnRH ou, na impossibilidade deste, o teste com agonista de GnRH depot.
O teste do GnRH consiste na infusão endovenosa de 100 mcg de LHRH em bolus e na dosagem de LH e FSH nos tempos basal, 15, 30 e 60 minutos. Um valor de LH superior a 4,1 UI/L, nas meninas, ou superior a 3,3 UI/L, nos meninos, dosado pelo método ECLIA, indica eixo puberal ativado.
Já no teste com agonista de GnRH depot, são administrados 3,75 mg de acetato de leuprorrelina por via intramuscular e feitas dosagens de LH nos tempos basal e após
120 minutos da aplicação. Um valor de LH, pós-estímulo, superior a 8 UI/L aponta eixo puberal ativo no sexo feminino.
O Setor de Provas Funcionais do Fleury oferece o teste com agonista de GnRH depot. O exame é realizado por equipe de enfermagem capacitada, sob supervisão de um médico endocrinologista.
Exames de imagem para a investigação da puberdade precoce
Radiografia para determinação da idade óssea | Costuma ser recomendada para todas as crianças com suspeita de puberdade precoce e auxilia tanto o diagnóstico diferencial quanto a avaliação do possível impacto da condição à estatura final. A avaliação dos ossos da mão e do punho permite verificar a sequência de aparecimento e morfologia dos centros de ossificação das falanges, metacarpos, ossos do carpo, rádio e ulna, assim como a fusão das epífises com as diáfises, o que possibilita examinar a predição do crescimento e desenvolvimento do paciente. O método de avaliação de Greulich & Pyle é o mais utilizado e consiste em um atlas com padrões de idade óssea desde o nascimento até os 19 anos, para os meninos, e até os 18 anos, para as meninas. |
Ultrassonografia pélvica | Está indicada, nas crianças do sexo feminino, para a pesquisa de sinais de estímulo hormonal no útero e nos ovários, bem como de cistos ou, eventualmente, de tumores ovarianos. Avaliação uterina: a morfologia, as dimensões uterinas e a presença de eco endometrial configuram os parâmetros mais específicos para essa investigação. Aspectos como comprimento uterino acima de 4,5 cm, espessura do corpo maior que 1,0 cm, presença de eco endometrial, volume do útero usualmente superior a 4,0 cm e predomínio do corpo em relação ao colo do útero sugerem fortemente resposta a estímulo hormonal. Avaliação ovariana: mostra-se menos específica que a uterina. Em geral, o ovário pré-púbere é menor que 1,5 cm³ até os 8 anos de idade e pode chegar a 2,0 cm³ após essa faixa etária, atingindo um volume em torno de 3,0 cm³, no período pré-menarca imediato, e acima de 4,0-5,0 cm³, na puberdade. A presença de folículos até 9,0 mm não deve ser valorizada, pois podem estar presentes desde o nascimento, porém há descrições de cistos funcionais quando acima de 1,0 cm. |
Ultrassonografia pélvica com Doppler | A avaliação das artérias uterinas com Doppler contribui tanto no diagnóstico como no acompanhamento do tratamento das crianças com sinais de estímulo hormonal. A mudança no padrão do fluxo e nos índices de pulsatilidade dessas artérias pode ser observada ao longo do desenvolvimento da puberdade (classificados em pré-puberal, puberal intermediário e puberal avançado) e do tratamento, com a reversão do padrão do fluxo antes da normalização da morfologia e das medidas do útero. |
Ressonância magnética da sela turca | A ressonância magnética (RM) da região hipotálamo-hipofisária é o método de imagem mais apropriado para afastar as causas orgânicas de puberdade precoce relacionadas ao SNC. Recomenda-se que o exame seja feito em todos os meninos com PPC. Para as meninas, sugere-se a RM para todas as pacientes que iniciaram o quadro antes dos 6 anos; após essa idade, a recomendação deve ser individualizada. |
A utilidade dos testes genéticos
Alterações genéticas específicas têm sido associadas à PPC, embora, dentro do conhecimento atual, respondam por uma pequena porcentagem dos casos. Dessa forma, a investigação, quando disponível, pode ser realizada nos casos idiopáticos com história familiar relevante.
A tabela abaixo expõe as características dos principais genes envolvidos nos casos monogênicos não sindrômicos. O painel genético para puberdade precoce oferecido pelo Fleury inclui a análise desses genes.
Principais genes envolvidos na PPC de etiologia monogênica não sindrômica
Gene | Proteína codificada | Tipo de mutação | Comentários |
KISS1 | Kisspeptina 1 | Ganho de função | A sinalização KISS1/KISS1R é essencial para estimular a secreção do GnRH e, portanto para o início do desenvolvimento puberal. |
KISS1R | Receptor da kisspeptina 1 | ||
MKRN3 | Makorin ring finger protein 3 | Perda de função | A MKRN3 desempenha um papel importante no bloqueio do início puberal. A PPC se desenvolve nos casos de variante patogênica herdada do pai |
DLK1 | Proteína DLK1 | Perda de função | Relacionada a casos muito raros de PPC, ocorre apenas diante de variantes patogênicas herdadas do pai. |
Ficha técnica
Painel genético para puberdade precoce | |
Método | Sequenciamento de nova geração (NGS) |
Genes analisados | CYP19A1, DLK1, GNAS, GNRH1, KISS1, KISS1R, LHCGR, MKRN3 |
Amostra | • Sangue periférico para a coleta nas unidades Fleury • Saliva ou swab de bochecha para exames solicitados via plataforma Fleury Genômica, com envio de kit de coleta ao domicílio |
Tratamento da PPC pode ser feito no Fleury Kids
O tratamento da PPC tem de levar em conta, inicialmente, a etiologia da condição. Quando a condição é causada por uma lesão identificável no SNC, a abordagem deve ser, sempre que possível, direcionada à doença de base.
Já os casos idiopáticos e alguns quadros neurogênicos e de etiologia genética permitem tratamento com a administração periódica de agonista do GnRH. A decisão terapêutica, nessas situações, precisa ser individualizada e levar em conta a idade da criança, o nível de maturação sexual, a progressão do quadro, a velocidade linear de crescimento, a estimativa da altura final e o avanço da idade óssea.
Nesses casos, o objetivo do tratamento é cessar, regredir ou, pelo menos, lentificar o avanço dos caracteres sexuais e, com isso, permitir a adequação do paciente ao seu círculo de convivência. Ademais, possibilita estabilizar a progressão da maturação da placa de crescimento, tentando manter a criança no alvo genético de estatura.
Os agonistas do GnRH provocam uma estimulação contínua dos gonadotrofos da hipófise, o que difere do estímulo fisiológico pulsátil do GnRH hipotalâmico. O resultado é uma dessensibilização das células gonadotróficas, com a consequente supressão da produção das gonadotrofinas e a diminuição dos esteroides sexuais.
Vale reforçar que a inibição do eixo HHG ocasionada pelo tratamento é reversível após a interrupção do tratamento, quando o paciente retorna ao desenvolvimento puberal normal.
Entre os principais agonistas do GnRH usados para essa finalidade estão o acetato de leuprorrelina e a triptorrelina. A posologia – dose e intervalo entre as aplicações – é definida caso a caso.
O Centro de Infusões Fleury, em conjunto com o Fleury Kids, realiza a administração de agonistas do GnRH conforme prescrição do médico-assistente, sempre sob a supervisão de um pediatra e com equipe de enfermagem especializada.
Consultoria Médica
Endocrinologia
Dr. José Viana Lima Junior
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Dra. Maria Izabel Chiamolera
[email protected]
Dr. Pedro Saddi
[email protected]
Dra. Rosa Paula Mello Biscolla
[email protected]
Pediatria
Dra. Fernanda Picchi Garcia
[email protected]
Dra. Patrícia Debora C. Tosta Hernandez
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Idade óssea
Dr. Shri Krishna Jayanthi
[email protected]
Radiologia Pediátrica
Dra. Lisa Suzuki
[email protected]
Neurorradiologia
Dr. Carlos Jorge da Silva
[email protected]
Publicação destaca o diagnóstico por imagem das doenças neurometabólicas.
Ressonância magnética é útil especialmente em casos mais complexos da doença
Exame fornece informações sobre fisiologia, anatomia e ritmo cardíaco do feto.