A adenomiose é uma condição ginecológica complexa, que continua a intrigar pesquisadores e médicos, desafiando o entendimento completo de sua etiologia e manejo. Descrita pela primeira vez em 1860 por von Rokitansky, inicialmente foi vista como a presença de células endometriais no seio do miométrio, tipicamente associada às fases finais da vida reprodutiva das mulheres. Contudo, avanços nas pesquisas indicam que essa doença pode surgir de múltiplos processos, incluindo alterações inflamatórias ou traumas na junção endométrio-miométrio e até anormalidades no desenvolvimento intrauterino.
Embora a adenomiose tenha sido inicialmente considerada rara ou relacionada apenas com sintomas graves, o avanço das pesquisas no campo do diagnóstico por imagem a tornou uma doença multifacetada, diagnosticada por técnicas de imagem não invasivas em mulheres em idade reprodutiva com dor pélvica crônica, dismenorreia, sangramento uterino anormal e infertilidade, ressaltando-se sua associação com comorbidades ginecológicas – 35% com endometriose e 50%
com miomas uterinos. Além disso, revelou-se uma prevalência maior da condição também em mulheres jovens e assintomáticas, o que reforça a necessidade de uma investigação mais abrangente para melhorar tanto o diagnóstico quanto o tratamento.
O diagnóstico da adenomiose vem sendo historicamente desafiador devido à ausência de métodos não invasivos universalmente aceitos que possam substituir a análise histológica após histerectomia. No entanto, marcadores de imagem refletem as alterações histopatológicas no miométrio, como a invaginação endometrial, a proliferação do músculo liso hipertrofiado dentro da lesão e o aumento da vascularização.
A ultrassonografia transvaginal, tanto na modalidade 2D quanto na 3D, é amplamente utilizada para avaliar esses marcadores de acordo com os critérios Musa, bem definidos e padronizados para o diagnóstico da condição. Critérios diretos (figuras 1 e 2) incluem a presença de tecido endometrial ectópico dentro do miométrio, de cistos subendometriais e intramiometriais, de ilhotas hiperecogênicas e de estrias lineares hipoecoicas. Já os indiretos (figuras 3 e 4) observam mudanças estruturais avançadas, como útero globoso, assimetria das paredes uterinas e aumento da vascularização, tipicamente translesional e difusa no útero.
Estudos apontam que achados como estrias lineares hipoecoicas, espessamento da zona juncional e alterações vasculares detectadas pelo Doppler colorido são fundamentais para avaliar o comprometimento uterino. A sensibilidade e a especificidade da ultrassonografia transvaginal em modo 3D mostram-se significativamente superiores às técnicas bidimensionais, alcançando até 85% de sensibilidade e 82% de precisão na detecção de alterações específicas relacionadas à interface endométrio-miométrio.
A ressonância magnética é considerada a ferramenta diagnóstica de maior acurácia para caracterizar a doença, especialmente em casos mais complexos. A capacidade de diferenciar formas difusas e focais da adenomiose configura uma vantagem significativa do método. Critérios diagnósticos, como espessamento da zona juncional e presença de cistos miometriais, são altamente específicos. Esse método tem particular utilidade em pacientes submetidas a tratamentos de fertilidade, ajudando a identificar fatores que podem interferir na receptividade endometrial.
De forma individual, estudos mostram que ambas as modalidades diagnósticas caracterizam a doença com a mesma acurácia. Contudo, quando associadas, a ultrassonografia transvaginal apresenta a maior acurácia. A adenomiose está relacionada a uma variedade de sintomas, mas a associação entre os marcadores de imagem e a gravidade do quadro ainda não é totalmente compreendida. A intensidade da dismenorreia correlaciona-se com a profundidade e o volume das lesões adenomióticas, sobretudo nas formas difusas. A presença de microvasos frágeis em lesões adenomióticas também se associa a episódios de sangramento intenso, reforçando a importância de uma avaliação detalhada do padrão vascular pela ultrassonografia transvaginal.
Embora a relação direta entre adenomiose e infertilidade continue sendo debatida, há evidências de que a condição pode reduzir as taxas de implantação embrionária, aumentar o risco de aborto espontâneo e diminuir as chances de sucesso em ciclos de fertilização in vitro. Lesões focais, notadamente na zona juncional, têm sido
atribuídas a falhas de implantação, enquanto lesões difusas podem alterar a contratilidade uterina, comprometendo ainda mais a fertilidade.
Preservação da fertilidade considerada nas opções terapêuticas
O tratamento da adenomiose varia conforme a gravidade dos sintomas e o desejo de preservação da fertilidade da paciente. Terapias hormonais, como agonistas de GnRH, progestágenos e o sistema intrauterino com levonorgestrel, são frequentemente empregadas para controlar sintomas como dor e sangramento, apesar de efeitos colaterais poderem limitar a adesão ao tratamento. Em casos mais graves, a histerectomia permanece uma opção definitiva. Contudo, abordagens conservadoras, como a excisão focal de lesões ou técnicas de ablação miometrial, vêm demonstrando eficácia em mulheres que querem preservar a fertilidade. Técnicas emergentes,
a exemplo de terapias focadas em ultrassom de alta intensidade (HIFU), também estão sendo exploradas como alternativas não invasivas.
Pesquisas emergentes com biomarcadores biológicos têm potencial de revolucionar o diagnóstico e o manejo da adenomiose. Estudos recentes apontam para a identificação de biomarcadores associados à inflamação, à angiogênese e à remodelação do tecido endometrial, como citocinas inflamatórias e fatores de crescimento vascular. Ademais, a expressão alterada de genes relacionados ao metabolismo celular e à diferenciação celular, os chamados microRNAs específicos, vem sendo investigada como ferramenta diagnóstica e prognóstica. A aplicação de análises metabolômicas também tem identificado padrões metabólicos distintos da doença, ajudando a diferenciar entre tipos focais e difusos, bem como a prever a resposta a terapias hormonais e cirúrgicas.
A integração de marcadores biológicos com técnicas de imagem avançadas promete diagnósticos mais precoces e intervenções terapêuticas mais personalizadas. Embora desafiadora, o fato é que a adenomiose é uma condição cada vez mais compreendida graças aos avanços nas técnicas de imagem, à pesquisa de biomarcadores e a abordagens terapêuticas individualizadas, oferecendo opções mais eficazes e específicas para as pacientes.
Consultoria Médica
Dra. Ana Luísa A. de Nicola
[email protected]
Dra. Ana Luiza S. Marques
[email protected]
Dra. Ana Paula Carvalhal Moura
[email protected]
Dra. Angela H. Motoyama Caiado
[email protected]
Dra. Gisele Warmbrand
[email protected]
Dr. Lucas R. Torres
[email protected]
Dra. Luciana P. Chamié
[email protected]
Dra. Maria Inês Novis
[email protected]
Dra. Patrícia Prando Cardia
[email protected]
Referências
1. Kobayashi H, Imanaka S. Understanding ultrasound features that predict symptom severity in patients with adenomyosis: A systematic review. Reproductive Sciences (Thousand Oaks, Calif.) 2024;31 (2):320-331.
2. Kobayashi H. Molecular targets for nonhormonal treatment based on a multistep process of adenomyosis development. Reprod Sci. 2023;30(3):743–60.
3. Harmsen MJ, Van den Bosch T, de Leeuw RA, Dueholm M,Exacoustos C, Valentin L, et al. Consensus on revised definitions of Morphological Uterus Sonographic Assessment (MUSA) features of adenomyosis: results of modified Delphi procedure. Ultrasound Obstet Gynecol. 2022;60(1):118–31.
4. Marques ALS, Andres MP, Mattos LA, Gonçalves MO, Baracat EC, Abrão MS. Association of 2D and 3D transvaginal ultrasound findings with adenomyosis in symptomatic women of reproductive age: a prospective study. Clinics (Sao Paulo). 2021;76:e2981.
5. Marques ALS, Andres MP, Kho, Rosanne M, Abrão MS. Is high-intensity focused ultrasound effective for the treatment of adenomyosis? A systematic review and meta-analysis. J Minim Invasive Gynecol. 2020 Feb,27(2):332-343.
6. Van den Bosch T, de Bruijn AM, de Leeuw RA, Dueholm M, Exacoustos C, Valentin L, et al. Sonographic classification and reporting system for diagnosing adenomyosis. Ultrasound Obstet Gynecol. 2019;53(5):576–82.
7. Van den Bosch T, Dueholm M, Leone FP, Valentin L, Rasmussen CK, Votino A, et al. Terms, definitions and measurements to describe sonographic features of myometrium and uterine masses: a consensus opinion from the Morphological Uterus Sonographic Assessment (MUSA) group. Ultrasound Obstet Gynecol. 2015;46(3):284 98.
8. Mishra I, Melo P, Easter C, Sephton V, Dhillon-Smith R, Coomarasamy A. Prevalence of adenomyosis in women with subfertility: systematic review and meta-analysis. Ultrasound Obstet Gynecol. 2023;62:23-41.
Fleury conta com todos os recursos para a investigação, incluindo um setor de provas funcionais.
Publicação destaca o diagnóstico por imagem das doenças neurometabólicas.
Exame fornece informações sobre fisiologia, anatomia e ritmo cardíaco do feto.