As malformações cardíacas são as anomalias congênitas mais frequentes em todo o mundo, com incidência de aproximadamente 8 a 10 casos por 1.000 nascidos vivos. Esse número pode ser ainda maior na vida fetal. No Brasil, dados do Ministério da Saúde mostram uma incidência de um caso em cada 100 nascidos vivos – são cerca de 23 mil a 29 mil casos por ano, representando a segunda causa de mortalidade no período neonatal.
Na imensa maioria dos casos, a cardiopatia ocorre em fetos sem fatores de risco para malformações. Em cerca de 20%, decorre de causas fetais e maternas. A possibilidade de cardiopatia na população de baixo risco fica em torno de 1%, aumentando na população com fatores de risco. Na presença de concepto anterior com cardiopatia congênita, o risco de uma nova malformação varia entre 2% e 5%. Já nas gestantes previamente diabéticas, a incidência da condição é cinco vezes maior do que nas não diabéticas.
Fatores de risco para malformação cardíaca fetal
Maternos:
Fetais:
Avaliação do sistema cardiovascular do feto
A avaliação inicial do coração fetal deve ser realizada rotineiramente durante o ultrassom morfológico, que funciona como uma triagem para o ecocardiograma fetal completo. Este consiste em uma ultrassonografia que avalia o sistema cardiovascular do feto e é realizado geralmente pelo cardiologista pediátrico.
A realização do ecocardiograma fetal permite um amplo conhecimento da fisiologia, da anatomia e da função cardíaca, assim como a compreensão da história natural e modificada das anomalias do coração intraútero, o acompanhamento minucioso, a orientação ao médico obstetra e o apoio e preparo familiar. Além disso, possibilita a programação do parto em centro terciário com equipe neonatal especializada, formada pelo neonatologista, cardiologista e cirurgião cardíaco pediátrico nos casos relevantes. O exame tem sensibilidade elevada e afasta cerca de 97% dos defeitos cardíacos na população de baixo risco quando realizado por profissional experiente. Entretanto, há limitações para o diagnóstico de determinadas cardiopatias, tais como coarctação da aorta, drenagem anômala parcial das veias pulmonares, persistência do canal arterial e comunicação interatrial decorrente das peculiaridades da circulação fetal e da pequena comunicação interventricular.
Com relação ao comportamento hemodinâmico, as cardiopatias congênitas
podem ser passivas, com ausência de repercussão intraútero, manifestando-se no período neonatal ou em fase mais tardia, e ativas, com repercussão durante o período intrauterino.
As principais doenças que se beneficiam do diagnóstico pré-natal são as cardiopatias com manifestações ativas intraútero, tais como anomalia de Ebstein e displasias atrioventriculares com regurgitação importante, taquiarritmias, bloqueio atrioventricular total, miocardiopatias ou outras condições que causam disfunção ventricular, além das cardiopatias passivas com manifestação no período neonatal, canal arterial dependentes,
com destaque para aquelas com obstrução direita. Como exemplos, vale citar as cardiopatias obstrutivas direitas, a atresia pulmonar com septo íntegro, a estenose pulmonar valvar crítica, a tetralogia de Fallot com anatomia desfavorável, as cardiopatias
obstrutivas esquerdas, a estenose aórtica crítica, a síndrome da hipoplasia do coração esquerdo, a coarctação da aorta e a interrupção do arco aórtico, bem como as cardiopatias com mistura no plano atrial, representadas pela transposição das grandes artérias, que configura a cardiopatia congênita mais comum no período neonatal.
Na estenose aórtica crítica e na atresia pulmonar com septo íntegro, é possível, em casos selecionados, a intervenção intrauterina com dilatação valvar para reduzir a hipoplasia do ventrículo e, por conseguinte, melhorar a função ventricular, com maior perspectiva prognóstica pós-natal.
Nas cardiopatias congênitas que apresentam repercussão tardia, ou seja, quando a manifestação clínica ocorre após o nascimento, com a queda da pressão pulmonar, o diagnóstico durante a vida fetal é fundamental, pois possibilita o acompanhamento durante a gestação e após o nascimento, com cardiologista pediátrico e preparo familiar. Além disso, algumas cardiopatias podem estar associadas com malformações extracardíacas e/ou síndromes cromossômicas. Esse grupo é representado principalmente pelas cardiopatias que cursam com hiperfluxo pulmonar, tais como defeito do septo atrioventricular, comunicação interventricular ampla, comunicação interatrial e cardiopatias complexas, como a dupla via de saída do ventrículo direito, tronco arterial comum, drenagem anômala não obstrutiva das veias pulmonares, tetralogia de Fallot e os corações com fisiologia univentricular.
Indicações e período de realização do ecocardiograma fetal
A ecocardiografia fetal foi incorporada à rotina pré-natal pela lei federal 14.598, sancionada em 14/6/2023. Portanto, hoje é um exame de rotina obrigatório durante
o pré-natal.
O período ideal para realização do ecocardiograma fetal de rotina é de 24 a 32 semanas. Em casos específicos, como na suspeita de cardiopatias ou malformações extracardíacas, gestante com fator de risco relevante ou história de cardiopatia em gestação anterior, pode-se realizar o exame em idade gestacional precoce, entre 15 e 18 semanas, via transabdominal. Nesse caso, a reavaliação é mandatória devido à limitação de resolução de imagem, ao potencial de progressão de lesões obstrutivas não identificadas na idade gestacional precoce e à identificação das arritmias.
Portanto, a gravidade da lesão, os sinais de insuficiência cardíaca, os mecanismos de progressão e a avaliação para o manejo perinatal são fatores que irão influenciar o período e a frequência do ecocardiograma.
Ecocardiograma no diagnóstico das cardiopatias na infância
O ecocardiograma transtorácico é o principal método de imagem para a avaliação detalhada da anatomia e função do coração nas diferentes fases da vida da criança. Além de diagnosticar cardiopatias congênitas, esse método é muito importante para o seguimento de várias doenças sistêmicas que podem acometer a função cardíaca, tais como febre reumática, doenças inflamatórias sistêmicas (como lúpus eritematoso sistêmico juvenil e artrite idiopática juvenil), síndrome da imunodeficiência adquirida, nefropatia crônica, distrofia muscular, doenças de depósito, anemia falciforme e pneumopatias, entre outras doenças adquiridas na infância. O exame também está indicado antes e após o tratamento com quimioterapia cardiotóxica (principalmente os antracíclicos) e radioterapia em região mediastinal, para orientar medidas cardioprotetoras.
Quando realizar o ecocardiograma na população pediátrica
Período neonatal:
Lactentes, crianças e adolescentes:
Outras indicações:
Conclusão
A ecocardiografia configura o principal método diagnóstico não invasivo e com excelente acurácia na avaliação inicial das cardiopatias congênitas ou adquiridas nas diferentes fases da vida, fornecendo informações detalhadas dos aspectos anatômicos, hemodinâmicos e funcionais, além de possibilitar o planejamento terapêutico e o seguimento desses pacientes ao longo da vida. Com os avanços tecnológicos, incluindo o ecocardiograma tridimensional, a análise da deformação miocárdica (strain) e a integração com outras modalidades de imagem, a acurácia diagnóstica tem se aprimorado, resultando em melhores desfechos clínicos e qualidade de vida. A detecção precoce e o planejamento integrado são cruciais para garantir o melhor cuidado e tratamento desde a vida fetal nos pacientes portadores de cardiopatias congênitas.
Consultoria médica
Dra. Claudia Regina Pinheiro de Castro Grau
Médica coordenadora da Ecocardiografia Fetal e Infantil do Fleury
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Fleury conta com todos os recursos para a investigação, incluindo um setor de provas funcionais.
Publicação destaca o diagnóstico por imagem das doenças neurometabólicas.
Ressonância magnética é útil especialmente em casos mais complexos da doença