Tudo para fechar o cerco à sífilis

Com a PCR, é possível flagrar o treponema na fase primária.

Doença sistêmica de etiologia bacteriana, a sífilis é causada pelo Treponema pallidum e divide-se, do ponto de vista clínico, em fases que podem ser superponíveis ou intercaladas por períodos variáveis de latência. Da mesma forma que o HIV, a infecção deve ser rastreada em pacientes assintomáticos, nas situações de exposição de risco e, sobretudo, na gestação.

No Brasil, segundo os dados do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, em 2023 foram registrados 242.826 casos de sífilis adquirida, 86.111 casos de sífilis em gestantes e 25.002 casos de sífilis congênita.

As recomendações de diagnóstico variam de acordo com a fase clínica. Na primária, deve ser feita a pesquisa direta do Treponema pallidum por microscopia de campo escuro e/ou coloração pela prata do raspado da lesão. Como essa fase precede a produção de anticorpos, há possibilidade de sorologias negativas.

Por outro lado, o método molecular já está disponível para identificar o agente na fase primária por meio da pesquisa do DNA do T. pallidum por PCR em tempo real em amostras de lesão (úlcera) genital, oral ou anal. Destaca-se que esse exame tem maior utilidade para identificar a sífilis no início do cancro, quando os índices de sensibilidade são de cerca de 90% e os de especificidade, de 99%. Enquanto a pesquisa direta do T. pallidum requer a presença de cerca de 5.000 bactérias para ser positiva, a PCR tem sensibilidade para detectar cinco bactérias, ou seja, é 1.000 vezes mais sensível do que as técnicas de coloração mais tradicionais.

A PCR em tempo real também pode ser considerada se os resultados dos testes sorológicos não corresponderem aos achados clínicos sugestivos de sífilis inicial (CDC, 2015).

Já a fase secundária caracteriza-se por altos títulos de anticorpos, que podem ser detectados por métodos que utilizam antígenos treponêmicos (FTA-Abs, ensaios imunoenzimáticos e quimioluminescentes e TP-hemaglutinação) e antígenos não treponêmicos (VDRL e RPR). É sempre necessário combinar, ao menos, duas metodologias, uma treponêmica e uma não treponêmica. A PCR em tempo real pode ter utilidade no diagnóstico de sífilis secundária e em casos com apresentações clínicas e/ ou sorológicas atípicas, mais comuns em pacientes imunossuprimidos, devendo usar amostras de sangue ou raspado de lesões mucocutâneas, com sensibilidade variável de acordo com o tempo de evolução do secundarismo (em média, de 55% no sangue e de 70% nas lesões).

O monitoramento sorológico após o tratamento deve ser realizado apenas com o método não treponêmico.

Interpretação dos testes sorológicos para sífilis

A realização das sorologias para a investigação de sífilis segue a Portaria nº 2012, de 19/10/2016, do Ministério da Saúde. O Fleury adota o fluxograma 2 (abordagem reversa) contemplado por essa portaria, em que as amostras são inicialmente submetidas a um teste treponêmico, que é qualitativo e não quantitativo (quimioluminescência com micropartículas, ou CMIA). Resultados não reagentes nessa etapa podem ser liberados sem necessidade de complementação. Por sua vez, as amostras que apresentam resultados reagentes passam por uma reação não treponêmica (VDRL). Se os resultados forem concordantes, o exame é considerado reagente. Caso haja discordância, a confirmação requer um segundo imunoensaio treponêmico (ensaio imunoenzimático, ou EIE). A combinação dessas técnicas resulta na interpretação abaixo:

Treponêmico 1
(CMIA)
Não treponêmico
(VDRL)*
Treponêmico 2
(EIE)
Interpretação
Comentário
Não reagente
Não realizado
Não realizado
Amostra não
reagente para
sífilis
Exame negativo para sífilis. Persistindo a suspeita, uma amostra deve ser coletada após 30 dias e submetida a uma nova testagem.
Reagente
Reagente
Não realizado
Amostra
reagente para
sífilis
Resultado sugestivo de sífilis ativa. Importante associar histórico e informações clínico epidemiológicas
para avaliar a ocorrência de sífilis ativa ou cicatriz sorológica, sobretudo quando há baixos títulos de anticorpos não treponêmicos (até 1/4).
Reagente
Não reagente
Reagente
Amostra
reagente para
sífilis
A ausência de detecção de anticorpos pelo teste não treponêmico pode significar infecção muito recente, muito antiga ou presença de cicatriz sorológica
pós-tratamento. Avaliar exposição de risco, sinais e sintomas e histórico de tratamento para definição da conduta clínica. Avaliar necessidade de repetição da testagem após 30 dias com a coleta de uma nova amostra.
Reagente
Não reagente
Não reagente
Amostra com
reatividade
inicial para
anticorpos
treponêmicos
não confirmada
Provável ocorrência de resultado falso-reagente no
teste treponêmico utilizado como primeiro teste, sugestiva de ausência de sífilis. Mais raramente,
cicatriz sorológica muito antiga com queda dos títulos de anticorpos treponêmicos. Persistindo a suspeita de
sífilis ativa, uma amostra deve ser coletada após 30 dias e submetida a uma nova testagem.


*Desde agosto de 2023, o Fleury emprega um protocolo otimizado de VDRL, que tem acurácia similar à do RPR anteriormente utilizado. Para fins
de seguimento sorológico, os títulos observados podem ser considerados equivalentes entre as duas técnicas.

Considerações Relevantes

  1. A versão mais recente do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com IST (PCDT IST-2022), do Ministério da Saúde, enfatiza que não existe um “valor de corte” para que os títulos de anticorpos não treponêmicos sejam ou não considerados indicativos de sífilis ativa, na presença concomitante de anticorpos treponêmicos. Podem ocorrer títulos baixos tanto na doença ativa muito precoce quanto na doença de longa duração nunca tratada. Por outro lado, pessoas adequadamente tratadas podem não atingir a negativação do teste não treponêmico, mantendo títulos baixos transitória ou persistentemente, sem que isso signifique falha terapêutica. Mais importante que os números é a interpretação dos resultados dos exames em conjunto com os dados clínicos, a avaliação do risco de exposição e o histórico de tratamento.
  2. Os exames feitos com antígeno treponêmico, uma vez positivos, usualmente assim permanecem por toda a vida do indivíduo, a despeito do tratamento. Sua positividade isolada pode representar infecção pregressa (cicatriz sorológica). Considerando a vulnerabilidade de cada indivíduo, pode ser indicado o seguimento sorológico em um intervalo de 15 a 30 dias para descartar as hipóteses de infecção precoce, reexposição ou reativação. Do mesmo modo, se não há história de tratamento prévio, pode ser indicada a antibioticoterapia nos casos com resultados reagentes nas duas técnicas treponêmicas, mesmo que o teste não treponêmico não evidencie atividade da doença, principalmente em gestantes.
  3. O monitoramento da resposta ao tratamento da sífilis deve ser realizado somente com o teste não treponêmico e, preferencialmente, com o mesmo método utilizado no diagnóstico, em todas as amostras. As coletas devem ser feitas mensalmente nas gestantes e a cada três meses na população geral, até os 12 meses. Atualmente, para a definição de resposta terapêutica adequada, utiliza-se a negativação do teste não treponêmico ou uma queda na titulação em duas diluições em até seis meses para sífilis recente ou em até 12 meses para sífilis tardia. Consideram-se significativas somente alterações nos títulos em, pelo menos, duas diluições (ex.: de 1/8 para 1/32), visto que variações de uma única diluição podem ocorrer devido a características intrínsecas da metodologia.
  4. A positividade do teste não treponêmico, com exame treponêmico concomitante não reagente, sugere falsa reatividade biológica e deve suscitar a investigação de outras etiologias diferentes da sífilis. São consideradas possíveis causas de resultados falso-reagentes transitórios no teste não treponêmico algumas imunizações e infecções agudas febris, gestação e outros eventos pró-inflamatórios, como infarto agudo do miocárdio. Resultados persistentemente falso-reagentes podem ser observados em doenças autoimunes, infecção pelo HIV, hanseníase e hepatites crônicas, entre outras.
  5. Sorologias de pessoas que vivem com HIV ou que apresentam imunodeficiências de outra etiologia requerem interpretação individualizada, uma vez que podem apresentar comportamento particular.
  6. Devido ao cenário epidemiológico atual, pode ser indicado o tratamento de sífilis mediante resultado reagente em apenas uma técnica, treponêmica ou não treponêmica, independentemente da presença de sinais e sintomas, na ausência de tratamento prévio, nas seguintes situações: gestantes, vítimas de violência sexual, pessoas com síndrome compatível com sífilis primária ou secundária e pessoas com chance de perda de seguimento.

Pediu FTA-Abs e o laboratório fez quimioluminescência? Pediu VDRL e foi feito RPR? Não tem problema!

O avanço da Medicina Laboratorial permitiu a implantação de métodos mais sensíveis, específicos e ágeis no fluxograma diagnóstico da sífilis. Assim, técnicas treponêmicas automatizadas, como a quimioluminescência, podem e devem ser utilizadas em substituição ao FTA-Abs, seja para confirmação de um teste não treponêmico reagente (abordagem clássica), seja para triagem na primeira etapa (abordagem reversa). Considerando a epidemia de sífilis no Brasil e a sensibilidade dos fluxogramas diagnósticos, o Ministério da Saúde recomenda que os laboratórios prefiram a abordagem reversa, que é mais sensível, permite diagnóstico mais precoce e possibilita a automação, favorecendo a agilidade dos resultados nos laboratórios de alta demanda. Do mesmo modo, a interpretação do RPR é absolutamente a mesma do VDRL. Atualmente, o Fleury utiliza um protocolo otimizado de VDRL, que tem acurácia similar à do RPR anteriormente utilizado. Embora os títulos observados possam ser considerados equivalentes entre as duas técnicas, o paciente deve ser orientado a fazer o seguimento sempre no mesmo laboratório para garantir a testagem com o mesmo método, possibilitando a comparação dos títulos durante a evolução.

Ei, obstetra: tudo bem não fazer VDRL! 

É muito comum recebermos contatos de colegas obstetras apreensivos em relação a resultados que utilizaram a abordagem reversa – isto é, com amostras negativas liberadas sem a realização do célebre VDRL. Fique tranquilo! Essa possibilidade já é contemplada no Manual Técnico para Diagnóstico da Sífilis (Ministério da Saúde) desde 2016 e oferece vantagens para sua paciente, uma vez que, em geral, a gestante faz parte de uma população de baixo risco pré-teste, mas cuja investigação requer alta sensibilidade e agilidade. Sendo assim, evite solicitar somente "VDRL" para rastrear a sífilis no pré-natal para pacientes sem histórico de tratamento dessa infecção.

Como pedir?

No Fleury, basta escrever, no pedido, "sorologia para sífilis" para que todo o fluxograma seja realizado de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde. Não é necessário descrever as metodologias. Se, contudo, se tratar de um monitoramento após tratamento, basta pedir VDRL ou teste não treponêmico para sífilis. Além disso, a consultoria médica do Fleury está à disposição para discutir casos desafiadores e tirar dúvidas.


Consultoria médica

Infectologia

Dra. Carolina S. Lázari
[email protected]

Dr. Celso Granato
[email protected]

Ginecologia e Biologia Molecular

Dr. Gustavo Arantes Rosa Maciel
[email protected]

Dr. Ismael D. C. G. Silva
[email protected]

Microbiologia e Infectologia

Dr. Matias Chiarastelli Salomão
[email protected]

Dra. Paola Cappellano Daher
[email protected]


Bibliografia
Manual técnico para o diagnóstico da sífilis [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. – Brasília: Ministério da Saúde, 2021.
Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis – IST [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. – Brasília: Ministério da Saúde, 2022.